Longo caminho - Gente comum celebra em Brasília a abertura da Constituinte (no topo) e protesta contra as mazelas do país (ao lado): esperanças realizadas pela metade (
As fotos que ilustram esta página mostram dois momentos da história recente em que o Congresso Nacional foi tomado por pessoas comuns. A primeira data de 1º de fevereiro de 1987: enquanto no plenário da Câmara se instalava a nova Assembleia Constituinte, do lado de fora centenas comemoravam nas ruas e escalavam a cúpula desenhada por Oscar Niemeyer. A segunda é um flagrante da noite de 17 de junho de 2013, quando uma multidão marchou por Brasília para protestar, gritar palavras de ordem, pedir “mudança”. A primeira foto fala da esperança de que uma nova Constituição pudesse lançar as bases de um país democrático e moderno. A segunda lembra que a esperança só se cumpriu em parte. Não há dúvida de que a democracia avançou no Brasil no último quarto de século e de que a Constituição teve um papel essencial nesse processo. Mas é significativo que na miríade de cartazes levados às ruas durante as manifestações de junho, e na enxurrada de mensagens postadas nas redes sociais, a Carta raramente tenha sido mencionada como um ponto de referência simbólico. Quando ela se tornou assunto, foi de modo negativo: em resposta àqueles que expressavam na rua o seu repúdio à corrupção e à classe política, o governo sugeriu, de maneira funesta, que se reformasse o sistema político por meio de uma “Constituinte específica”. Entre o esquecimento dos manifestantes e o perigoso arroubo do Executivo, fica claro que a Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 não desfruta, em seu 25º aniversário, da aura quase sagrada de que se reveste, por exemplo, a Carta dos Estados Unidos. Por que isso aconteceu? Em grande parte, devido às suas fraquezas intrínsecas. O que não significa que ela não deva ser, para além de respeitada, defendida.
100 visões da Constituição de 1988
Em todas as 341 sessões consumidas na redação da Carta Magna, o fantasma do regime militar permaneceu na assembleia ao lado dos constituintes. Isso deixou uma marca profunda no texto final, que não se limita a elencar alguns direitos fundamentais. Para assegurar que os abusos da ditadura não se repetissem, os constituintes crivaram o texto de dispositivos “garantistas”. Pelas mesmas razões, o ambiente era propício para que todas as vozes e todos os pleitos que gozassem de alguma representatividade - e tivessem sido calados nos anos anteriores - fossem acolhidos. Hoje senador, Paulo Paim (PT-RS) admite que se esforçou para incluir no texto o máximo de dispositivos trabalhistas: “Eu tinha clareza de que tudo aquilo que ficasse gravado, só com uma emenda à Constituição, que exige três quintos dos votos, poderia ser retirado. Por isso, trabalhei muito para que o tratamento do tema fosse o mais amplo possível”, diz ele. A declaração de Paim reflete bem o espírito com que os constituintes abordaram sua tarefa e explica por que a Constituição pode ser descrita como prolixa (a décima mais extensa do mundo), segundo dados do projeto Comparative Constitutions (CCP), paternalista (apenas dez fixam mais direitos) e quase surrealmente detalhista: ela incluiu até mesmo um parágrafo dedicado à administração do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Como muitos direitos previstos necessitam de leis para se materializar, criou-se um enorme ônus de regulamentação: ainda hoje, 112 dispositivos aguardam nessa fila.
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