Sociedade do espetáculo era para mim uma expressão abstrata, embora clara em livros e citações, até cobrir o julgamento do casal Nardoni, em 2010.
Na ocasião, os réus acusados de espancar, rasgar a tela de proteção e jogar uma criança da janela de um prédio foram condenados a mais de 26 anos de prisão pelo Júri popular após cinco dias de julgamento.
Quando a sentença foi lida, vi nas proximidades do fórum uma multidão em transe, entre rojões e o tema da vitória de Ayrton Senna. Todos gritavam o nome do promotor, ovacionado ali como herói.
O Brasil, enfim, tinha jeito. Tinha, enfim, correção.
O pior dos crimes
A celebração parecia dizer mais sobre a multidão do que sobre o caso em si. Era como se, retirados seus autores do convívio em sociedade, como uma maçã apodrecida retirada da cesta, crimes como aquele não voltariam jamais a acontecer ou dizer a nosso respeito.
A complexidade do caso foi demonstrada anos depois pelo repórter Rogério Pagnan, que acompanhou o caso desde o início e, em 2018, lançou o livro “O pior dos crimes”, que esmiuçou uma série de erros cometidos pela acusação.
O julgamento aconteceu em uma época em que não tínhamos em mãos as capturas de cena produzidas por smartphones, que só se popularizariam ao longo da década 2010.
Com eles, tudo seria passível a flagrante, todos os nossos passos poderiam ser comunicados, registrados, avaliados até formarem um padrão.
A Verdade, com V maiúsculo, já não teria intermediários nem interpretações; dependeria apenas de um equipamento eletrônico e uma rede de transmissão imune a instabilidades técnicas e éticas.
Essa era a promessa de novo mundo até que essa mesma década fosse justamente nomeada como a década das Fake News.
Pelos mesmos canais que nos prometiam revelar a Verdade, a Verdade que, por interesse ou incapacidade, era escamoteada até então pelos canais tradicionais de informação e produção do conhecimento, passou a chegar a nós, o tempo todo, flagrantes editados, fragmentos, provas cabais de opiniões formadas, áudios formatados por imitações perfeitas, alertas que têm como alvo não só nossos ouvidos, mas nossos medos, nosso pânico de não saber pra onde ir em meio a tantas verdades apontadas por todos os lados
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