sábado, 7 de dezembro de 2013

AFRICA DO SUL - SEM MANDELA GOVERNO FICA SEM RUMO

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Presidente da África do Sul, Nelson Mandela, em 1996
Presidente da África do Sul, Nelson Mandela, em 1996 - Mike Hutchings/Reuters
A morte de Nelson Mandela ocorre em um período de crescente insatisfação com os políticos sul-africanos. Mesmo com o ex-presidente afastado da vida pública há anos, sua imagem continuou sendo uma referência bastante capitalizada pelos membros do partido governista Congresso Nacional Africano (CNA). O presidente Jacob Zuma, que deve disputar mais um mandato nas eleições do ano que vem, divulgava pessoalmente boletins regulares sobre o estado de saúde do prêmio Nobel da Paz e foi o responsável por anunciar a morte do líder em pronunciamento na TV. Agora, sem a figura onipresente do 'herói nacional' Mandela, a população deverá cobrar de Zuma uma solução realmente eficaz para os problemas que estiveram latentes na sociedade sul-africana nas últimas décadas.
Contrariando o desejo do ícone da luta contra o apartheid, os planos do governo para o funeral são grandiosos – e não é difícil imaginar que haverá um uso político das cerimônias em homenagem a Mandela. Desde 1994, o CNA venceu com folga cada eleição realizada, o que deverá se repetir em 2014. Mas as divisões internas e os graves problemas no país traçam um cenário diferente em comparação com o período em que o partido elegeu o primeiro presidente negro do país. De acordo com a ONU, dados apontam que 13,8% dos sul-africanos vivem abaixo da linha da pobreza, com menos de 1,25 dólar por dia. O desemprego em 2012 chegou a 22,7% da população, enquanto a inflação atingiu 5,7%.
Ao passo que boa parte da população continua amontada nas favelas sul-africanas, os políticos do CNA enriqueceram de forma estratosférica, compraram mansões e hoje levam uma confortável vida nos luxuosos bairros das grandes cidades. Embora alguns temessem que a morte de Mandela servisse de estopim para um conflito de grandes proporções entre brancos e negros, especialistas acreditam que a população se voltará justamente contra a classe governante. "Ironicamente, se existir algum tipo de conflito, ele não será entre brancos e negros. Essa história já é passado. Se existir um conflito, ele estará focado primariamente na briga entre negros de classes distintas", atesta Moeletsi Mbeki, irmão do ex-presidente Thabo Mbeki e ferrenho crítico do CNA, ao jornal The Guardian.
Insatisfação - Nos últimos dezoito meses, o país viveu nas ruas um período de forte inquietação, marcado por greves de trabalhadores da mineração, reprimidas com força pelas autoridades. Agressões policiais registradas em vídeos feitos com celulares aumentaram o descontentamento com um governo visto como cada vez mais distante dos cidadãos comuns, abandonados à miséria. Desde o fim do apartheid, a distância entre ricos e pobres aumentou, transformando a África do Sul em uma das sociedades mais desiguais do mundo, pontua o Wall Street Journal, afirmando que o crescimento econômico projetado para este ano é de 1,9%, ou um terço do que seria necessário para reduzir o desemprego no país.
Aliado a isso, os políticos do CNA adotaram uma estratégia semelhante à implementada pelo governo venezuelano de Hugo Chávez. Programas assistencialistas que não dão a menor projeção de crescimento econômico para os mais pobres permearam os últimos mandatos presidenciais de Thabo e Zuma. A política populista consolidou um círculo eleitoral para o partido governista, mas mergulhou a sociedade sul-africana em uma crise sem precedentes. "A morte de Mandela encerrará uma era na África do Sul. Estamos vivendo desde 1994, quando ele se tornou presidente, em uma zona de conforto, enquanto dados negativos continuam emergindo. Agora, as pessoas podem perder o sentimento de que Mandela resolveria todos nossos problemas. A morte de Mandela será uma mensagem para os sul-africanos de que aquela era acabou, o que nos obriga a encontrar soluções reais para os problemas ao invés de continuarmos sonhando com soluções", acrescentou Moeletsi.

Corrupção - Além dos programas assistencialistas, muitos sul-africanos votam nos candidatos do CNA por reverência ao papel da legenda na luta contra o apartheid. Os escândalos de corrupção envolvendo os principais nomes do partido representam um desgaste. Muitos integrantes da atual geração de líderes, incluindo o presidente Zuma, são alvos de críticas por serem considerados elitistas e só buscarem o enriquecimento. Com uma carreira marcada por acusações de corrupção, lavagem de dinheiro, extorsão, fraude e sonegação de impostos, entre outros crimes, Zuma voltou a ser criticado por ter gasto 27 milhões de dólares para renovar a sua casa na região rural de Zululand, apontou o New York Times.
Além das reflexões sobre o legado que Mandela deixa para o mundo todo, sua morte também provocará uma dolorosa comparação com o que seus sucessores têm feito com o país que ele ajudou a tornar melhor. "Existem desigualdades massivas que surgiram entre os negros. A corrupção está galopando nas lideranças negras que estão governando a África do Sul, a pobreza maciça atinge a população negra e a desindustrialização afeta a economia por causa de políticas instáveis do governo", pontua Moeletsi. Passado o período de luto que tomará conta do país, a África do Sul certamente voltará um olhar mais atento para a política desempenhada pelo CNA. Especialistas, no entanto, mantém o consenso de que o país não sofrerá uma piora nos índices econômicos devido à morte de Mandela. "As pessoas acham que a África do Sul vai desmoronar após a sua morte. Isso é ridículo, é um disparate. Ele é um ícone desse país, representa uma transformação incrível, mas Mandela não é a África do Sul e nós vamos seguir em frente sem ele", afirmou Lauren Beukes do The Guardian, uma escritora e jornalista sul-africana

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