domingo, 22 de novembro de 2015

CHICO ALENCAR: EDUARDO CUNHA É UMA FIGURA TENEBROSA E FUGAZ

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Protagonista dos bons combates no Congresso há 12 anos, o deputado Francisco Rodrigues de Alencar Filho (PSol-RJ) é um dos principais opositores do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e também um dos maiores críticos do PT, partido que abandonou ainda em 2005. Na última quinta-feira, um dos dias mais nervosos do Congresso nos últimos tempos, Chico Alencar, 66 anos, conversou com o Correio por mais de 90 minutos, intercalados com discursos no plenário contra as manobras do peemedebista.

“Antonio Gramsci falava que surgem figuras monstruosas, fantasmagóricas, aberrações políticas que ganham certo poder, mas que, felizmente, são fugazes. Eu vejo a figura do Cunha assim, ele não vai ser uma liderança marcante na história brasileira”, vaticina Alencar, que não é menos crítico em relação ao PT: “O partido hoje é a expressão negativada de tudo que afirmou antes”. O deputado responde a processo no Conselho de Ética por irregularidades na campanha e no mandato: “Essa representação do deputado Paulinho, aliadíssimo do Cunha, se insere no projeto de retaliação deles, de Cunha e aliados, contra quem os critique, se insurja e denuncie a corrupção”, disse Alencar. A seguir os principais trechos da entrevista:

Como o senhor avalia esse momento do PT, que está dando apoio às manobras de Cunha?
Quando saímos do PT há uma década a gente cunhou uma frase que resume tudo: “Nós não saímos do PT, o PT é que saiu de si mesmo”. É um caso não inédito na história. Norberto Bobbio faz análise das grandes correntes de pensamento político e sempre fala da tendência quase que irresistível da acomodação e do adaptacionismo. Você se elege com o discurso da mudança, a realidade do poder te leva a abandonar qualquer eiva de transformação e se aliar com quem você combatia em nome da chamada governabilidade. Então, o PT, e isso é lamentável, viveu esse processo de negação de suas origens. Claro que não se pode ficar prisioneiro de uma origem que não se renova, não se atualiza, não se moderniza. A vida é muito dinâmica, a vida é dialética. Ele (o PT) hoje é a expressão negativada de tudo que afirmou antes. Fica o Tarso Genro, meu querido amigo, falando da refundação do PT, mas ele vai fixar as estacas para essa refundação no brejo.

O que faltou ao PT?
Há determinadas fronteiras éticas e ideológicas que você não pode desrespeitar e desconhecer, se não você se amesquinha, se apequena. E a história também mostra que, quando você se alinha com a direita, sendo de esquerda, quem dá as cartas por ter mais experiência de poder, por ser mais matreira, sagaz, habilidosa e, claro, à vontade dentro do próprio sistema, é a direita. Tem uma velha frase que diz “o poder é como um violino, você pega com a esquerda, mas toca com a direita”.

Seria possível o PT se manter no poder sem tais acordos?
Eu creio que sim, como especulação, desde que ele não desmobilizasse as forças sociais de mudança. É claro que o governo Lula promoveu a inserção no consumo, mas não cuidou da inserção na cidadania, do ponto de vista mais amplo. Eu acredito que poderia sim, numa perspectiva de mais tensão, claro, mas de mudanças mais substantivas e estruturantes.

Tem quem relacione o avanço do conservadorismo no Congresso à fragilidade política do PT e dos partidos de esquerda

Acredito que a sociedade brasileira ainda é muito conservadora, historicamente. É verdade que na era Lula se poderia ter avançado mais, e isso tem muito mais a ver com educação. Tem a ver com a própria maneira de administrar, com as formas de se fazer política. Na medida em que o PT foi adotando formas de fazer política mais tradicionais, campanhas milionárias, voto de clientela, a figura de um líder carismático. Acho que o PT, no governo, jogou fora essa possibilidade. A gente está em um momento de transição e, como todo momento de transição, o que fica claro no horizonte é que está tudo muito nebuloso. O Antonio Gramsci, por exemplo, analisa esses momentos de transição na história de maneira muito interessante. É um momento entre o não mais e o ainda não. Há um sentimento de frustração, a ideia de política nunca esteve tão degenerada como agora.

Como a juventude vê isso?
Tem uma juventude, inclusive no PSol, muito pujante. Uma miríade de movimentos que são diversos e não têm mais aquela verticalidade, não são mais piramidais. São movimentos mais horizontais, diversificados, inclusive no aspecto cultural, que tem a pauta dos costumes muito forte. Isso é rico. Isso se manifestou em 2013 e até produzi um livro: A rua, nação e sonho, uma reflexão para as novas gerações. Fui em movimentos aqui em Brasília, Goiânia, São Paulo, Rio (de Janeiro). Vi uma juventude ansiosa com essas novas linguagens de conectar mentes e buscar significados. É uma juventude em busca.

E o que o senhor pensa sobre o Eduardo Cunha?
Uma coisa que eu queria dizer sobre o interregno, que é muito interessante. Até saiu um artigo meu no Le Monde Diplomatique, sobre a figura do Cunha chamado “Tenebrosas Transações”. Gramsci, pensando na Itália, fala que nesse período surgem figuras monstruosas, fantasmagóricas, aberrações políticas que ganham certo poder, mas que, felizmente, são fugazes, passam. Eu vejo a figura do Cunha bem assim, ele não vai ser uma liderança política marcante na história brasileira.

Ele fica? 
Não, entendo que ele não tem um voo muito longo, embora a gente esteja em ritmo lento. O Ministério Público é mais ágil, tanto que deu os passos mais concretos da investigação contra ele. O Judiciário é lento, mas, nesse caso, tenho certeza de que ainda que tarde, não falhará, pelas evidências robustíssimas. E, aqui na Câmara, percebo que ele já não tem a força que tinha em 2 de fevereiro. Muito menos. Diria que tem 50% da vitalidade. E isso tende a se agravar.

Mesmo com o apoio do PT?
O apoio do PT é um apoio envergonhado. Na verdade, o Cunha está sendo usufrutuário dos pedidos de impeachment. Algo que tem previsão constitucional, mas que é, talvez, a parte da Constituição mais grave do ponto de vista do sistema político, mais delicado, mais sério. É destituir um governo eleito. Ele vai deixar isso embaixo do braço, no seu alforje.

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